O mercado de carne bovina tem se consagrado cada vez mais, devido à alta participação no âmbito nacional e internacional. No ano de 2019, abatemos cerca de 43,3 milhões de cabeças de gado no Brasil, de um rebanho de 213,7 milhões, e exportamos quase dois milhões de toneladas de carne, ocupando o primeiro lugar nesse quesito. (ABIEC, 2020).
No entanto, mesmo com esse aumento na produção de carne bovina no país, existe um conflito entre a grande quantidade de carne produzida (não necessariamente com alta produtividade) e a padronização do produto.
No Brasil, os diferentes sistemas de produção, com grau de tecnificação e manejos diversos, resultam em não uniformidade nas carcaças comercializadas. A falta de uniformidade de carcaça e, consequentemente, variação na qualidade da carne é, na maioria das vezes, decorrente das variações na idade de abate, genética, classe sexual e manejo nutricional, que são os principais fatores que interferem na deposição de carcaça.
Crescimento corporal dos bovinos e idade ao abate
A idade ao abate está diretamente relacionada à qualidade da carne, uma vez que pode interferir no grau de acabamento, grau de marmoreio e solubilidade do colágeno. Pensando no nosso sistema de produção, que é predominantemente a pasto, a idade de abate torna-se um fator muito importante, pois temos animais sendo abatidos com idade elevada.
Para entendermos melhor como a idade ao abate pode interferir na carcaça, é necessário nos atentar ao padrão de crescimento e composição corporal, pois seu entendimento leva ao estabelecimento de planos nutricionais compatíveis com o padrão genético e sexual utilizado.
O crescimento ocorre de forma alométrica: músculos, ossos e gordura crescem em ritmos diferentes, sendo o tecido ósseo desenvolvido inicialmente, seguido pela musculatura e, finalmente, o tecido adiposo.
O crescimento animal segue uma curva sigmoide. Após o nascimento, há um crescimento acelerado até o ponto de inflexão, que coincide com a puberdade. No período subsequente, há uma redução no crescimento e aumento na deposição de gordura na cacarça. Por último, o animal atinge o peso adulto e o aumento no peso se dá devido à deposição de gordura (Owens et al., 1993).
O estágio de desenvolvimento gera variação na composição corporal. No início da vida e durante o crescimento, ocorre maior deposição de proteína, devido ao desenvolvimento de órgãos e tecidos (Owens et al., 1995).
À medida que os animais envelhecem, apresentam menor porcentagem de músculo e maior de tecido adiposo.
Grupos genéticos e sua influência nas características da carcaça
O grupo genético influencia na maioria das características de carcaça, inclusive composição corporal (Goulart et al., 2008), além de ser responsável por diferenças na eficiência de transformação do alimento em ganho de peso.
Nas regiões tropicais e subtropicais, utiliza-se Bos indicus em cruzamentos, como forma de aumentar a resistência a doenças e parasitas, tolerância climática, heterose e variação genética aditiva. Em contrapartida, animais Bos taurus são conhecidos por sua precocidade sexual, permitindo produzir carcaças com excelente acabamento de gordura e qualidade de carne (Paulino et al., 2014).
Um dos principais fatores que pode ser atribuído às variações entre grupos e dentro de grupos genéticos é a diferença de “frame”, ou seja, diferentes pesos adultos (Owens et al., 1993). Animais de diferentes “frames” encontram-se em diferentes estágios fisiológicos, em um mesmo peso corporal. A taxa de ganho em peso, por exemplo, é positivamente correlacionada com o tamanho adulto, e animais com maior tamanho a maturidade, apresentam maiores taxas de ganho (Owens et al., 1993). Zebuínos apresentam maturidade fisiológica mais precoce e depositam maior quantidade de gordura periférica (Fernandes et al., 2005).
Na tabela abaixo, podemos observar as principais características de carcaça e suas diferenças entre raças e cruzamentos em confinamento.
A escolha da estratégia de utilização de qualquer raça ou cruzamento depende, na maior parte das vezes, de ser feita levando-se em consideração a definição do sistema de terminação adotado, peso de carcaça, idade de abate e grau de acabamento desejados pelos segmentos do mercado consumidor (Barbosa, 1999).
Influência da condição sexual dos bovinos na composição e qualidade da carcaça
A classe sexual influencia a composição de ganho e a qualidade final da carcaça, pois esses animais chegarão ao ponto de abate (mesmo acabamento) com pesos e idades diferentes. Os animais não castrados, quando abatidos de acordo com o acabamento, serão mais pesados, mas precisarão de maior tempo para terminação, enquanto animais castrados levarão menos tempo para atingir o mesmo ponto de acabamento. As fêmeas, devido à maturidade mais precoce, apresentarão maior deposição de gordura subcutânea (Paulino et al., 2009).
Em um mesmo sistema de produção, animais castrados e fêmeas apresentam carcaças mais bem acabadas. No entanto, os animais não castrados apresentam uma maior eficiência alimentar, devido à maior taxa de crescimento e maior proporção de tecido muscular em relação ao adiposo (Euclides Filho et al., 2001). Assim, temos que o sexo do animal tem grande efeito sobre as características de crescimento e, se manipulado de maneira tecnificada, pode tornar-se uma ferramenta importante para o pecuarista, proporcionando maior rentabilidade e eficiência para a atividade pecuária.
Importância do manejo nutricional na curva de crescimento dos bovinos
O nível nutricional pode modificar a curva de crescimento, alterando a idade e o peso em que ocorre a aceleração ou desaceleração de deposição de cada tecido, modificando a composição corporal final dos animais (Owens et al., 1993).
De maneira geral, sabemos que dietas com mais grãos permitem ingestão de maior quantidade de energia, promovendo maiores taxas de crescimento. Isso afetará de forma positiva as características de carne e carcaça e diminuirá a idade ao abate.
O uso de aditivos também pode ser utilizado para interferir no ganho e deposição de carcaça. Eles têm a finalidade de manipular a fermentação ruminal e de aumentar a digestão e absorção dos nutrientes. Com o ambiente ruminal mais saudável, o animal obtém melhor desempenho, maior ganho de peso, melhor conversão alimentar e maior produção de carcaça, atingindo menor idade ao abate e aumentando a produtividade do sistema.
Outro ponto bastante importante e relativamente novo na produção animal é como o manejo nutricional das vacas gestantes pode afetar o desempenho dos bezerros (programação fetal). Pesquisas têm demonstrado que a restrição nutricional em fases específicas da gestação traz efeitos negativos do nascimento ao abate.
Devido à preconização das estações de monta em períodos de maior disponibilidade e qualidade de forragem, muitas matrizes passam o terço médio e parte do terço final da gestação na estação seca. Isso pode afetar a produção de carne, principalmente porque a maioria das fibras musculares fetais é formada entre o segundo e oitavo mês da gestação. Ao contrário do tecido ósseo, o músculo tem capacidade de crescimento por hiperplasia (aumento no número de células por divisão celular) limitada ao período fetal. Portanto, após o nascimento, o aumento da massa muscular acontecerá apenas pelo processo de hipertrofia (aumento do tamanho da fibra devido ao acúmulo de proteína em seu interior). Dessa maneira, animais que tiverem um baixo número de fibras musculares ao nascimento podem ter menor capacidade de ganho de peso, uma vez que terão menos fibras para aumentarem em tamanho.
Como pôde ser verificado, o crescimento de bovinos de corte é um processo fisiológico complexo que envolve vários fatores e suas interações, que fazem com que o crescimento ocorra de diferentes formas. Explorar esse processo de melhor forma técnica e econômica é uma tarefa que cabe a todos os envolvidos na cadeia da carne bovina, de forma a atender a demanda dos diferentes mercados sem comprometer a lucratividade dos sistemas de produção.